sexta-feira, 26 de março de 2010

Velocidades e lentidões sob o efeito da pressa

Todo indivíduo encontra-se em permanente modificação, pois os corpos que o constituem estão sempre em relações com outros corpos em diferentes modulações de movimento e repouso, segundo Spinoza, ou de velocidades e lentidões, como prefere dizer Deleuze. É pela velocidade e lentidão que os corpos deslizam entre si mundo afora, afetando e sendo afetados, se individuando no desenrolar de modos de existência. Isso nos permite pensar, seguindo Simondon, que talvez antes de assumirmos uma modulação de indivíduo, nós sejamos um bloco pré-individual, entre outros, constituído por uma composição de velocidades e de lentidões num plano de imanência. Daí a importância de uma investigação também permanente acerca das velocidades e seus efeitos em nós nos dias de hoje. Este tema, o das velocidades, é objeto de pesquisa de Virilio por muitos anos, através da dromologia, ou o estudo dos efeitos da aceleração da velocidade na sociedade. O receio de Virilio seria o de que a aceleração da velocidade na sociedade nos levasse a experimentar a vertigem da instantaneidade nas relações, o que já nos é possível na contemporaneidade. Penso que a pressa pode ser vista como um dentre os possíveis vetores de aceleração intervindo na relação espaço-temporal de deslizamento de nossas velocidades e lentidões. Velocidades são de uma multiplicidade difícil de se cartografar, podendo haver velocidades lentas e rápidas, mas em quaisquer circunstâncias a pressa continua sendo, no meu entendimento, a inimiga das velocidades, lentas e rápidas.

terça-feira, 23 de março de 2010

A pressa e as paixões tristes

A proliferação mundo afora, casa adentro, do que Spinoza chamou de Paixões Tristes, ou seja, as afecções alinhadas com o grau mais baixo de nossa potência me espantam profundamente. São tantos os exemplos presentes na vida cotidiana que eu chego a suspeitar que nós tenhamos uma queda, uma espécie de predileção, por este tipo de filiação reativa.

Quando digo mundo afora, casa adentro, intento derrubar a um só golpe as noções de dentro e fora, tal como tradicionalmente nos são apresentadas. Prefiro a noção de imanência em que muros, paredes, pele, são de extrema porosidade, nos expondo a todo o momento a conexões de toda sorte, aguçando a nossa potência de afectar e ser afectado.

Vivemos num mundo assolado pelo excesso de opiniões pré-fabricadas que se assemelham a um Big Mac, cujo saber é próximo de zero e o sabor é nauseante.

Há uma espécie de automatismo opinativo, o pensamento modulado no regime fast food, ou seja, na pressa, a primeira opinião que vem é a que fica. E o pior, fazem coro a este refrão adultos, jovens, crianças, idosos...

Não me apresso, mesmo porque sou avesso à pressa, a lançar comentários de um falso saudosismo defendendo a tese de que nossos tempos são piores do que os dos nossos antepassados. Ao invés disso, prefiro a idéia de Deleuze de que cada tempo tem suas máquinas, logo, seus problemas (na ambigüidade do termo problema, que não necessariamente remete somente ao pólo negativo).

Não adianta culparmos os aparelhos de Mass Media, especialmente em tempos como os nossos em que as mídias sociais potencializadas pelos apetrechos internéticos e de telecomunicação em rede roubam a cena. Insisto: Não adianta buscarmos culpados, isso nunca funcionou muito bem ao longo da história da humanidade, pois encontrá-los e puni-los não conserta os efeitos danosos de suas intervenções. Encontrar e punir culpados não resolve o problema, funciona tal como um remédio, uma droga, no sentido de cortar ou mascarar os sintomas e não promover um aumento na saúde.

terça-feira, 16 de março de 2010

E de repente nos tornamos tarefeiros, multi-tarefeiros.

E de repente nos tornamos tarefeiros, multi-tarefeiros. E a vida cotidiana com suas múltiplas linhas se transforma em um grande e pesado bloco de tarefas. Tarefas aqui e acolá, confundidas entre ordenações por critérios de prioridade, urgência, emergência, postergação, adiamento, ou a total falta de critérios. São tantas as tarefas que não dormir virou até sinônimo de dormir. No meio disso tudo, das ameaças de uma espécie de insônia com requintes de sonambulismo, como criar bolsões de tempo para a invenção, conforme Deleuze, como criação de possíveis? Esta é uma dentre as perguntas primordiais.

Lembro-me de Kafka e de sua preocupação em buscar saídas. A Kafka importava menos a liberdade do que a invenção de saídas. Saídas, mesmo que minoritárias, frestas, brechas, rupturas, o contrário de uma suposta prisão utópica cujas grades são sedimentadas pelo inatingível conceito ideal de liberdade absoluta. Há aqueles que acusam Kafka de ter escrito linhas e mais linhas de claustrofobia, mas a meu ver ele só as cartografou e em meio a estas inventou brechas para o advir de linhas de fuga, de resistência.

No dia a dia o habitual e o mais simples muitas vezes têm se transformado no quase impossível. Por exemplo: Como ajustar as linhas de uma agenda com as de outra agenda? Como reunir pessoas, mesmo que à distância, pois hoje contamos com mais alternativas do que antes, especialmente no tocante às ferramentas tecnológicas de comunicação. Ainda assim não é fácil. Ainda assim não parece ser suficiente.

Os encontros, matéria prima para a produção de possíveis, eis no limite o porquê e a envergadura de sua importância, são hoje de uma raridade espantosa. Todos vagam apressadamente rumo a qualquer parte. A pressa, antiga inimiga da perfeição, hoje se tornou ilusório vetor de produtividade. Aqui e em outros cantos insisto no alerta de que a pressa na realidade é a grande inimiga das velocidades, as mais rápidas e as mais lentas. E como somos, segundo Spinoza, compostos por velocidades e lentidões, a pressa funciona tal como uma espécie de veneno, disparador de conexões com as paixões tristes.

Não fossem os encontros, principalmente os que ocorrem entre espécies diferentes, a vespa e a orquídea, o que seria de nós? Nós, o pronome perigoso, dada sua ambigüidade que pode reunir diferentes em prol da produção de diferenças e ao mesmo tempo esconder as mais perversas armadilhas. Pouquíssimas vezes em toda minha vida me senti parte integrante de um pronome nós evocado ao sabor dos ventos. A simples enunciação deste pronome me causa arrepios. Às vezes, mesmo que raras, sua utilização se justifica pelos agenciamentos e implicações a este pronome aliados, noutras, no entanto, fala-se nós quando na realidade tratar-se-ia da mais completa ausência de qualquer tipo de aliança.

terça-feira, 9 de março de 2010

Livro: Os Pequenos Deuses da Trapaça

O grande amigo Manuel Carreiro acaba de lançar um novo livro de contos, desta vez disponível como E-book em formato PDF e acredito fortemente que possa ser do interesse dos camaradas que visitam este blog.

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Mais adiante postarei minhas impressões a respeito deste lançamento.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Co-incidências, uma Vida.

Podemos suspeitar que vivemos em um mundo regido pelo acúmulo de incidências, encontros, cruzamento de linhas, componentes de multiplicidades as mais diversas, ora a se chocarem, ora a nem sequer se tocarem.

Do que mais gosto acerca das coincidências? O efeito assombroso que elas nos causam. Tal como se houvesse qualquer coisa para chamarmos de ordem. Pode haver ordens, desordens, algo que seríamos supostamente capazes de traçar, acompanhar, monitorar, controlar... (?) e ao mesmo tempo, após a linha limítrofe de nossas competências cognitivas, um completo descontrole, a ausência mesmo que temida, de razão. Já nem mais bem sei. Pois, desde que Prigogine e Stengers resolveram nos apresentar ao emaranhado de incertezas que o “balé” entre espaço tempo desenha através de uma “nova” espécie de aliança, tremendamente inusitada, perdi o chão – nunca soube voar.

A sincronicidade, tal como nos inspira Jung tem um pouco de quase tudo a ver com as coincidências e se a este conceito atrelarmos a idéia de imanência tão cara ao nosso querido Polidor de Lentes, Spinoza, eu arriscaria dizer que o que as linhas de uma coincidência costumam traçar nada mais é do que o balizamento de um plano de imanência. Alguns balizamentos, quiçá espaços de ultrapassagem.

E por último, mais uma vez, lembro-me que o palco comum a umas tantas coincidências em uma Vida não poderia deixar de ser do tamanho de uma esquina. As esquinas, sempre elas... quantas coincidências, alguns bons encontros, esquinas afora.